domingo, 4 de dezembro de 2011

és o sol sozinho

''Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
Ou se ao menos me desses as mãos como quem beija
E não partisses, assim, empurrando o vento
Com o coração aflito, sufocado de segredos

Se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos
Para guardar o teu corpo

Se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos
Onde o teu rosto se esconde no meu rosto
E a minha boca lembra a tua despedida,
Talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer
Essa cor perdida nos teus olhos''
(Joaquim Pessoa)



tantas vezes tropecei na melifluidade das tuas palavras e me consumi no reflexo dos teus meneios. e outras tantas esmoreci em poeira gasta, com a voz queimada do ar que exalas. estudei o movimento das tuas pálpebras e a maneira como sacudias os lábios. estudei as tuas formas grosseiras e incompletas e as tuas mãos em chama. e quanto mais intenso tudo era, mais débil se elevava e se aproximava. como se tudo fosse cegueira, enfermidade. como se este cosmos nada mais fosse que juras e reflexões de um alienado coração, escondido na mudez da noite, à espera do teu rir. pensei achar o mundo nos teus olhos, toda a carne no teu corpo e todo o desejo no teu âmago. pensei seres o infinito. pensei seres toda a minha memória, toda a minha essência. ignorei as pulsações que se contorciam, os corpos emaranhados e os lábios calcados. 

agora és o sol solitário. resides somente em ti e declino acercar-me. quanto mais te olho, mais me ofusco. estamos à perfeita distância. se me aproximar, incendeio. se me afastar, congelo. se me desejares, destróis-te. contemplo-te sem te fitar e confundo-me com a sombra que me cedes. agora vejo o que nunca quis ver.