quinta-feira, 14 de julho de 2011

opiáceo

posso-te subtrair às escondidas e levar-te como o meu refém privado?


já não me recordo da tua voz. está rasurada, morta e soa apenas como um grunhido emudecido. era a última realidade que de ti me sobrava. o teu grito. o teu clamor. a tua súplica. e o teu riso... aquele ruído morno e suave, uma sinestesia perfeita, a maior das metaforas. e eu que pedi ao tempo, que implorei à sua displicência que não a consumisse. que não me desistisse. que não assassinasse a lembrança do que mais me estremecia e dava existência. que não me abdicasse,não me descartasse.. sem a tua marca e a tua chama. mas ele levou-a. e com ela levou-te a ti. levou o teu sangue amargo e cítrico. apunhalou-me com o seu menosprezo, procurou moer-me o coração e levou a minha alma com ele. levou o que ainda me apertava ao teu âmago por fios incorpóreos que só vias quando olhavas para trás afadigado e moído, carente até. e era só um som. um estúpido som de tantos que a minha mente ecoa. um som nas reminiscências de tantos sonhos que ela pinta e imortaliza. um estúpido som, logo o único que pedi não esquecer. foi então que percebi que o tempo é um mero opiáceo que lentamente nos suga tudo o que planeámos jamais destruir.