quarta-feira, 24 de novembro de 2010

em ti

hoje escrevo embriagada. sinto-me como numa roldana giratória, com o sangue afogado em inexistências. com um medo de nós, com um medo de tudo. como um passo a mais que foi de menos. irónico. naufrágio do meu ser. morte de anseios de um nós mal enforcado. uma ceguês doente. 
as mãos que se entrelaçaram e se esquecem. as almas que se cruzam e depois morrem. um sonho que nada era. o teu sonho que era tudo. a vida num segundo, um segundo numa vida. quem se atreveu e se queimou, quem se queimou e se deixou arder. um desligar de emoções, uma imperfeição perfeita para nós. um delinear do que nunca quiseste em função do que és. uma espingarda juntos dos teus olhos, que expulsas com o medo de expulsar. os toques. os teus toques. aqueles que te tocam. a vida que te toca. a vida que te arranca. a vida que te empurra. a força que te ergue. a força que tu congelas e eu derreto. os cabelos que arrancas e a pele que rasgas em busca do teu coração. as veias que desenhas porque não sabes existir. as veias que não existem mas tu sabes que se movem. que te movem. que te fazem o que não és e o que não tens.
como eu olho para ti. como o teu frio se entranha em mim. como o nada que dás é um tudo para quem te ama. para quem te procura entre pedras, calçadas e fantasmas do passado. 
como quando estavas. quando eras o que desaprendeste a ser. quando sentias e eras humano. quando éramos humanos. quando não éramos monstros, lendas. imagens desfocadas que o vento não cuidou. que a água molhou. que o céu negou e o teu pequeno inferno pessoal provocou. e respiravas. oxigénio e não fumo. e não te intoxicavas no suor do teu correr. não eras letal. não eras pouco senão muito. e corrias os meus cabelos com a tua alma. incendiavas-me com o teu calor. e eu era tua. e sou tua. mas completa. não rasgada e sem voz. não escondida no que não me esconde. mas viva no teu viver. a viver na tua vida. por vontade. com garra. com o teu sarcasmo crónico, com o teu amor inteligente. e o teu suspiro adormecia-me, beijava-me o sono e os sonhos.
agora és fumaça. vapor. humidade. entranhas-te mas não te sinto. não me adormeces. fatigas os meus sonhos. cansas a minha sombra e matas os meus olhos. eu sópro para que desapareças mas, sem querer e porque não há querer, sópro a minha alma e ela vai contigo. e dá a volta ao mundo. dá a volta a ti. fica em ti. vive em ti. morrerá em ti.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

alma de neve

sei que és venenoso, como uma serpente de olhos de vidro e língua cansada. sei de cor a tua boca amaldiçoada e o teu corpo invisível. e já provei o teu suspiro letal que corre nas minhas veias dilaceradas, como um transe animal e desumano, e me aproxima de ti em distâncias absurdas.
quero-te. um pouco mais perto. a uma vírgula do meu sangue. vem, um pouco mais. até sentires o odor do anseio que espetaste em mim. olha para mim, com o brilho que escondes, e deixa-te vir neste tango de mel e sal. vamos entrelaçar o que nos separa e tu vais dizer que me amas enquanto eu sei que é mentira. vamos correr descalços e sobre vidros partidos até eu perder o ar e depois eu vou deitar a minha ingénua cabeça sobre o teu peito forte e incansável e vou contar o silêncio que se instala entre cada batida do teu coração. tu vais-me dar a mão e eu vou agarra-la insanamente sabendo que é a primeira e a última vez que a seguro. vou olhar para os teus olhos e vou reparar em linhas e cores que nunca mais ninguém viu e vou memorizar a distância de cada traço que te define. vou saber o porquê de cada marca que a vida riscou em ti e vou saber o porquê de cada gota que derramaste. vou soltar a tua mão e algemar o teu corpo a mim, deixar-nos rolar pela relva húmida e triste deste melancólico Outono. vou-te salpicar com as minhas lágrimas e tu vais-te rir porque sabes que és tudo o que quero e a cor da minha alma. e depois, enquanto me envolves numa concha fechada, eu vou adormecer sem esquecer que, quando acordar, já estarás bem longe de mim. que vou ficar sozinha, deitada na mesma relva onde rebolámos, afogada nas mesma lágrimas com que te salpiquei, sobre as mesmas estrelas em que me embalaste. e vou saber que nunca te dei a mão, nem nunca adormeci com o teu calor. vou saber que nunca serás uma realidade para mim, mas que és o que dela mais se aproxima. vou saber que não te posso deixar de amar, porque te tenho debaixo dos braços.