sábado, 15 de maio de 2010

sol da meia noite

queres que te conte uma história? quando ela o viu pela primeira vez e entrou em sufoco mental, como se conhecesse os seus recantos e o  olhar vazio?

o anseio invadiu incognitamente as veias e, o medo do desconhecido, rebentou-as. ela nunca tinha evidenciado tal mistura, tal desejo ameaçador, tal vontade incessante. no ápice em que a luz se reflectia no mel dos olhos, tudo o que ela pretendia dominar, encontrava-se a escassos centímetros de distância. na cama estrategicamente bem feita, com as medidas exactas e com o cabelo desalinhado. a guitarra parecia demasiado pesada nas mão dele, e os acordes improvisado pareciam o inicio das promessas incalculadas. nenhum deles conhecia a razão oculta, mas as sentenças projectavam-se imperativamente e as faíscas entre elas agrupavam-se num silêncio voluptuoso. o incógnito comandou-lhe os movimentos e conduziu-a para mais perto. o calor crucificava-se num duo sintónico e o impulso cardíaco gerava uma tensão quease poética. um desespero sereno. ela observou-o, absorvida no divino, e reparou o traçado dos seus olhos. como eles eram inclinados e pontiagudos, como tinham a capacidade infinita de arremessar um maquiavélico melífluo. como lhe travavam a respiração e corroíam o sangue. ele usava calças largas e um camisa branca, desabotoada no topo. as suas mãos firmes e seguras faziam ricochete na madeira, aproximando-se assim ao som dos corações. eram de dois mundos diferentes, de duas atmosferas divergentes. como dois ímanes que finalmente se encontravam no oposto infinito. ela deu-lhe um pouco de si, e ele fez o mesmo. propôs-lhe o fruto proibido da sua alma e concedeu-lhe o seu veneno fugaz, para que ela o provasse. entregaram-se no silêncio do olhar e comunicaram com promessas mudas até à sua partida.
na crua distância, aproximaram os alentos. trocaram segredos e toques, suspiros e berros desenfreados. tornaram-se uma rotina apaziguadora. tornaram-se gémeos de vontade. tornaram-se amantes dedicados. ele recuava, ela fugia. ele precisava dela e chamava-a. ela voltava. um jogo sem fim. um jogo sem vírgulas. e ela ia percebendo aquele monstro impermeável. que às onze ele estava zen, de phones nos ouvidos e incenso na respiração. que odiava rodeios, mas não se desprendia deles. que quando a lua se encontrava, brilhante e só deles, poisada sobre os ponteiros da meia-noite, ele se transformava e lhe roubava os segredos, limpando-lhe o incógnito. lia-lhe as entre-linhas e oxigenava-lhe as células. pertenciam-se.
foram infinitas as vezes em que contemplaram a mesma lua, em que desejaram estar mais próximos, em que desejaram sentir as respirações em uníssono. infinitas as vezes em que ele foi o seu sol-da-meia-noite. em que o magnetismo que a lua oferecia, era devorado por aquelas duas almas perdidas que se ansiavam impiedosamente.
mas a humanidade venceu, o frio congelou e as promessas quebraram-se. ele fechou-se na escuridão avassaladora e reteve-a na distância. impediu o inédito, por medo à felicidade. por revolta, por cobardia.
agora, na escassez do contacto, ele entrega-se, ela vem mas é ele que foge. é ele que se esconde. é ele que recusa o que sempre quis. e ela pergunta-se, entre os soluços salgados, se algum dia a química renascerá, mais forte e pujante, e os esfaqueie com desenhos incompletos. para que ela o complete e ele assim o permita. afinal, ela amou-o para sempre. ele não se podia ter esquecido que o seu vírus era eterno.

queres que te conte uma história? a nossa história?

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