domingo, 30 de maio de 2010

tortura

centímetros. e eu sinto a tua essência atarantada e diabólica. reduzo escrupulosamente, evocando as matemáticas mais minuciosas, os centímetros a milímetros e consigo sentir a tua brisa cálida a degolar-me os sentidos. envolves a tua mão firme na minha cintura e eu impulsiono-me até que os nossos corpos se fundam. nunca estivemos tão perto e eu sinto o meu coração a dilacerar-me a garganta. a devorar-me a sanidade e a moderação. cravo as minhas unhas nas tuas costas, como se se te arrancasse um pedaço de carne te tornasses meu. mais do que já eras. te tornasse imortal nos meus braços. proclamo o teu nome usado, num suspiro sôfrego, e empurras-me contra a parede. asfixias-me no compasso de espera e eu afogo-me nas tuas sentenças mudas. mutiladas. apagadas. reduzes a tua eminência e fixas os teus dentes nos meus lábios. afastas a magnificência do teu ser e os teus olhos encontram os meus, jurando amor corrosivo e implorando redenção. sabes que chegaste demasiado tarde. sei que chegaste demasiado tarde. mas procuro, enquanto as lágrimas me lambem a presença, o teu beijo. esperando por mais. mais frequentes. mais nossos. e arrancas-me cabelos, passeias no meu corpo. reduzes-me a pó. dás-me tudo o que quis. o meu sangue congela, os meus passos trocam-se. fico embriagada de ti. palpitas nos meus contornos e os meus músculos prendem-se em caimbrãs desfiguradas. mas não me importo que me enfeitices assim, que me devores a alma e nos tornes eternos.
e depois de te desenhar em mim, desperto na realidade crua. foi apenas mais um sonho. nunca serás meu.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

jogas?

já não nos metamorfoseamos na força insuperável do tempo, nem nas orações satíricas que verbalizas com cada trejeito. a noite deixou de ter efeito em nós, deixou de nos fundir, deixou de nos imortalizar. mas, no intimo tua alma esfomeada, continuas sem me esmagar por completo. sem cuspir tudo o que de mim detens. fraco.
chamas-me. eu corro descalça sobre todas as pedras que expulsas.. mas perdes as forças. morres. e é o meu ranger de dentes, o meu entrelaçar de promessas que te é inútil. sou eu que te sou incógnita e impermeável. e preferes correr de algo que a ti se assemelha. cobarde.
e não te cansas. aproximas-te em passos mudos. sofro o teu hálito morno no meu alento e rasgo-o de fatalidades. fico presa à tua essência, rendida ao teu espectáculo de marionetas. depois, foges de forma tão infernal e analisada, que te aproximas de uma miragem que o tempo esgotou e riscou. e aí sabes que a minha alma vai gritar por ti, vai rasgar-me a garganta e roubar-me a transparência. e tu não voltas. nunca. continuas nesta correria estúpida a esfaquear-me esperanças atarantadas. apenas porque não sabes se queres ficar. criança.
mas se voltares eu não vou negar. não consigo. não vou empurrar-te. vou prender-te a mim, vou devorar-te as dúvidas. vou entrelaçar os meus dedos nos teus, e enrolar o teu cabelo cada vez que essa for a minha vontade. não és tu que vives de vontades? de vontades e de momentos? então assim será. vamos jogar o teu jogo reles e fútil. vamos arrastar-nos um para o outro, sentir o toque ávido e sôfrego... e depois fugir, negar, pontapear. mas relembra-te porém, que eu posso tornar-me tão boa jogadora como tu e posso já estar eu viciada em jogar desta tua forma destruidora. e aí vai ser tarde demais, para ti.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

homem-bomba

não te condeno pela tua escolha, nem te prendo entre grades possantes. nem mesmo pelo facto de teres descoberto a habilidade de me atirar imprudentemente, como um farrapo sujo e pecaminoso, até que alcançasse o chão que esmagámos lado a lado. desembaraçaste-te dos laços de mil nós esfarrapados, desmoronas-te os muros que construímos e encontras-te a alma que te alimenta melhor que eu. a cegueira deu lugar à consistência e vejo-me agora escravizada, pelo teu rumor de adeus, a arrancar do meu coração as vendas que enlaças-te quando eu era a enzima da tua alma negra. nunca me foi atingível tal oco emocional, tal vazio espiritual. sem ti, as minhas células não se oxigenam e vejo-me prisioneira da produção de ácidos corrosivos; um suicídio involuntário. e, enquanto entrelaças a língua na tua musa inescrutável, eu proclamo aos céus a cura para as feridas que deixaste em mim. nunca seremos mais do que duas almas perdidas, dois amantes corruptos. dois mortais que o tempo desagregou e aniquilou. e tu, o homem-bomba que sempre amei.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

porque

sinto falta das palavras que me sussurravas, que quebravam o silêncio da noite. do teu feitiço maldito, que me controlava os sentimentos e derrotava o orgulho. quando eras meu. porque não te afogas nos meus gritos, como eu me extingo em ti? onde te escondeste? porque não voltas?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

escorpião

tu, a minha sombra na luz. eu, a tua luz na escuridão. grita-me, confessa seres a entidade faminta pelos meus recintos. que vais voltar, escondido na tua eterna pujança, e que te vais apoderar da minha claridade. reduzir-me a cinzas nostálgicas. sei. que apenas amas fervorosamente ou odeias eternamente. que és um extremo irredutível. que tens fogo no lugar de sangue. que és um assombro impenetrável e avassalador. que tornas os nossos momentos no teu inferno pessoal. numa tentativa de me concretizares despida de enigmas, com sede de ti, a arrastar-me pela calçada íngreme e ríspida.
o teu olhar de brasa viva. os olhos escuros que se inclinam para quem olhas. os reflexos carinhosos que exaltam. o brilho de quem se ri sozinho. porque possuis este poder satírico? estes rituais mórbidos e inquietantes que me dissecam toda a existência?
a forma como encontras na doença um poder de regeneração. quando mergulhas na tua escuridão e esfaqueias delitos. duro. impiedoso. intransigente. a capacidade que tens de me pontapear quando me excluis do teu esquema de pensamentos. quando te reges pelos teus mandamentos, repletos de essência dos pecados capitais, e me manipulas. me levas onde queres.
a tua inteligência. a tua perspicácia imune. como me penetras e absorves o inédito.
a tua eficácia pouco vulgar, quando detectas os meus argumentos frágeis e pontos fracos, e os usas como alimento ao maquiavélico do teu ego. como gostas de segredos fúteis, rodeios improvisados. e com eles tens o poder de me aspirar a natureza e os anseios, sem revelares um único milímetro do teu ser.
como os obstáculos te estimulam e o perigo te concretiza inteiramente. como me envolves-te nos teus jogos subtis e como me deixaste cair nas tuas garras impiedosas. como gostas do poder de 'vida ou morte' que me detens. como admiras a arte de me deixares mergulhar no desespero absoluto. como te propões como um desafio sucessivo, um desprezo atencioso, grito de amor odioso.
como procuras-te em mim a tua guardiã sublime e pura. e como me castigaste quando cedi. 
o desprezo que devolves ao amor, a capacidade que tens de reconhecer que isso só torna cada detalhe mais intenso.
 porque já não me procuras, agora que conjecturo o teu mecanismo? que me defendo dele e consigo desmontar a tua armadilha intelectual? ainda estou aqui.

domingo, 16 de maio de 2010

marioneta

a tua alma já tinha percorrido a minha. o teu olhar feito malabarismo com o meu coração. rendi-me à podridão dos actos. passei a agir de forma quase autónoma. fiquei a tua marioneta. aquela que moldas com as tuas mãos verbalizadas. afinal, a maior loucura é amar, e eu fui louca enquanto quiseste. enquanto acendes-te a doença que me extinguia, enquanto o o teu veneno correu de forma mais insana. o latejar do coração duplicou a intensidade. acabaste com os moralismos simulados e dedicaste-te à frieza dos teus movimentos. e sabes que quando nos tornamos unânimes de vontade, quando nos desejamos de forma mútua, os pólos assemelham-se e somos arrastados para pontos divergentes. eu descansei no banco manipulado simetricamente ao que escolheste e o comboio arrancou de forma suave. observei o teu reflexo no vidro embaciado durante toda aquela viagem eterna. observei-te de olhos postos em mim e observei o desvio deles quando com os meus se encontravam. sais-te de forma apressada, penetrado nas melodias que te completavam o alento, e o vapor de água que emanavas misturava-se com o ar gélido, desenhando uma nuvem nostálgica. as tuas linhas escondiam-se sobre a camisa azul escura e anestesiavam-me a alma. os teus passos longos aproximavam-se da pressa com que os meus se produziam e procuravas a minha existência por trás dos teus ombros. o desprendimento correu-te as veias e quando te alcançou o consciente, empurraste-me. detive-me e fugi do teu horizonte, tornei-me inalterável à tua vontade. fomos prisioneiros do que dissipa a nossa união, da energia que cumula quando a nossa dependência é mútua.
pelo toque dos teus suspiros,
enrolei os cordéis e engonços com que me dominas e rastejei petrificada em busca da tua essência. sofremos de estrabismo temporário e as nossas pupilas desviavam-se em busca de um contacto arrogante.
olhavas-me e sorrias. eu aproximava-me, o teu espírito contemplava-se de revolta e o teu apocalipse sentimental fazia-te gritar ódios falsos. eu escondia-me do teu domínio e tu voltavas sempre, disposto a mergulhar na doçura com que me embalavas nos capítulos pacíficos. procuraste-me infinitamente mas não me encontraste entregue a ti. tocaste-me satiricamente, pronuncias-te o meu nome com sílabas fulminantes, teceste os meus desejos temporários e até te apagaste para que te procurasse. foi a minha proximidade que te metamorfoseou antes das doze badaladas? porque é que foste meu e me senti ateia ás tuas promessas?
demos inicio ao nosso compasso frenético como dois ímanes irresolutos. repulsa, atracção. encanto, ódio. toquei-te, expulsaste-me. desisti, possuíste-me em enlaces imortais. prendeste-me entre as tuas pernas impudicamente, sacudindo-me e eu rejeitei-te . percorri as tuas mãos e tu soltaste-as. 

cansei-me do teu jogo, reduzi-me à monotonia. regressas-te esporadicamente mas a minha transparência foi-te evidente. sempre me soubeste decifrar; foi apenas um tudo cheio de nada, um vazio volumoso.
e quando, sobre a nossa lua inquietante, descansamos os pensamentos, concretizamos o alento com extremos. nos escassos metros que nos separavam, entrelaçamos as almas que caíram num sono extravagante de ofensas; foi essa a forma que achamos de nos eternizarmos. é assim que se arremessam as pequenas marionetas.

sábado, 15 de maio de 2010

sol da meia noite

queres que te conte uma história? quando ela o viu pela primeira vez e entrou em sufoco mental, como se conhecesse os seus recantos e o  olhar vazio?

o anseio invadiu incognitamente as veias e, o medo do desconhecido, rebentou-as. ela nunca tinha evidenciado tal mistura, tal desejo ameaçador, tal vontade incessante. no ápice em que a luz se reflectia no mel dos olhos, tudo o que ela pretendia dominar, encontrava-se a escassos centímetros de distância. na cama estrategicamente bem feita, com as medidas exactas e com o cabelo desalinhado. a guitarra parecia demasiado pesada nas mão dele, e os acordes improvisado pareciam o inicio das promessas incalculadas. nenhum deles conhecia a razão oculta, mas as sentenças projectavam-se imperativamente e as faíscas entre elas agrupavam-se num silêncio voluptuoso. o incógnito comandou-lhe os movimentos e conduziu-a para mais perto. o calor crucificava-se num duo sintónico e o impulso cardíaco gerava uma tensão quease poética. um desespero sereno. ela observou-o, absorvida no divino, e reparou o traçado dos seus olhos. como eles eram inclinados e pontiagudos, como tinham a capacidade infinita de arremessar um maquiavélico melífluo. como lhe travavam a respiração e corroíam o sangue. ele usava calças largas e um camisa branca, desabotoada no topo. as suas mãos firmes e seguras faziam ricochete na madeira, aproximando-se assim ao som dos corações. eram de dois mundos diferentes, de duas atmosferas divergentes. como dois ímanes que finalmente se encontravam no oposto infinito. ela deu-lhe um pouco de si, e ele fez o mesmo. propôs-lhe o fruto proibido da sua alma e concedeu-lhe o seu veneno fugaz, para que ela o provasse. entregaram-se no silêncio do olhar e comunicaram com promessas mudas até à sua partida.
na crua distância, aproximaram os alentos. trocaram segredos e toques, suspiros e berros desenfreados. tornaram-se uma rotina apaziguadora. tornaram-se gémeos de vontade. tornaram-se amantes dedicados. ele recuava, ela fugia. ele precisava dela e chamava-a. ela voltava. um jogo sem fim. um jogo sem vírgulas. e ela ia percebendo aquele monstro impermeável. que às onze ele estava zen, de phones nos ouvidos e incenso na respiração. que odiava rodeios, mas não se desprendia deles. que quando a lua se encontrava, brilhante e só deles, poisada sobre os ponteiros da meia-noite, ele se transformava e lhe roubava os segredos, limpando-lhe o incógnito. lia-lhe as entre-linhas e oxigenava-lhe as células. pertenciam-se.
foram infinitas as vezes em que contemplaram a mesma lua, em que desejaram estar mais próximos, em que desejaram sentir as respirações em uníssono. infinitas as vezes em que ele foi o seu sol-da-meia-noite. em que o magnetismo que a lua oferecia, era devorado por aquelas duas almas perdidas que se ansiavam impiedosamente.
mas a humanidade venceu, o frio congelou e as promessas quebraram-se. ele fechou-se na escuridão avassaladora e reteve-a na distância. impediu o inédito, por medo à felicidade. por revolta, por cobardia.
agora, na escassez do contacto, ele entrega-se, ela vem mas é ele que foge. é ele que se esconde. é ele que recusa o que sempre quis. e ela pergunta-se, entre os soluços salgados, se algum dia a química renascerá, mais forte e pujante, e os esfaqueie com desenhos incompletos. para que ela o complete e ele assim o permita. afinal, ela amou-o para sempre. ele não se podia ter esquecido que o seu vírus era eterno.

queres que te conte uma história? a nossa história?

sexta-feira, 14 de maio de 2010

mordaz

Refugio-me em reminiscências do teu alento, de cabelo engalfinhado e pele afogada nos meus prantos de saudade. As aves exaltam a alma e aperfeiçoam o canto. O rio corre desenfreadamente, fugaz e pujante. E tu? Onde te amparas? Por quem derramas o que anseio devorar? É por mim, que me encontro firme no chão gelado e nostálgico, que sou inteiramente do teu ser? É pela melodia da entrega? Ou pelo dourado incessante das searas que diante mim baloiçam? Há momentos, repletos de porquês ironicamente desenhados, em que sinto o prazer de ponderar se não estarás completo por mais nada mas apenas por mim. Só eu , tu e o sussurrar do vento. Eu, tu e o latejar sintónico dos nossos corações. Eu e tu. Só eu e tu.

terça-feira, 11 de maio de 2010

testemunho

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Tudo passa e pouco fica.
Tu passaste e ficaste. Queres melhor prova?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

casulo temporário

o espaço desmedido entre os nossos olhares pôs termo a si próprio. deixaste-me em tamanha embriaguez de sentidos que desaprendi a fala e estilhacei as frases. pura enlevação. se eu te suspirasse que te queria de volta, dilaceravas-me ? tornavas a enclaustrar-te no teu casulo frio, arquitectado sobre linhas de desprendimento ? não bastaria virares-me do avesso e extraíres de mim o insólito. não bastaria resumires o meu cérebro a sangue. possivelmente, nem que me cedesses toda a tua entidade. nem que me desses a provar a tua linfa. é o meu orgulho que me impede de admitir que te censuro por tudo o que fui inábil de produzir, ou és tu que negas a minha existência? explica-me como é que metamorfoseias descrenças inexactas e me tratas com um desdém inútil em mandamentos e conformidades. eu sou a porcaria que vês mas nunca te fui impermeável.

transe

num trejeito infernal, os teus olhos encontraram os meus e, no silêncio das tempestades, gritei que eras a divindade que mais ansiava imortalizar. no arrombo da tensão, enquanto fugias de forma invisível e desesperada, tocaste-me. senti o teu toque raro na minha pele e breves instantes foram necessários para que me tornasse completamente vulnerável à tua peça de marionetas. sabias que a tua brisa quente me congelava a alma e decidiste arrebatar-me com a malvadez do teu olhar. espetaste o teu veneno em cada milímetro do meu corpo, deixaste-me sentir as tuas formas, a tua loucura incessante, vulnerabilizaste-me. dominaste-me. é perfeitamente claro absorver o prazer que te proporciono quando me rendo à tua vontade desprezível. o prazer que te dá quando eu entro em transe sentimental, quando me deixo conduzir pelos teus murmúrios ensaiados que apenas me engolem a alma e travam a respiração. desenhaste-me o tormento que me desejas sem piedade e expulsaste-me do espaço que te cercava, controlaste os meus movimentos. '' o que te falta ?'' e, no silêncio bruto da tua expressão, encostaste-me à parede. soubeste então questionar-me empiricamente: '''não me queres ?''. detiveste a minha libertação e as palavras que desejava verbalizar perderam-se na escuridão que arremessas. estava sobre o teu feitiço novamente, totalmente e irremediavelmente rendida. alcançaste a tua overdose de prazer e travaste a tortura doce. mudo e sem argumentos racionais confessaste finalmente o que me desmoronou: a única coisa que te liga a mim é o ódio infinito que me detens e a salvação que a minha distância te oferece.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

narcótico simulado

não fomos mais que dois devaneados a escapar da solidão e da monotonia pestilenta. eu, psicótica, com falta de caráter e personalidade distorcida. tu, psicótico, resignado ao destino e escondido por detrás do nevoeiro incessante. tu, meu narcótico imperceptível que me matava em labaredas silenciosas, sem dó nem aviso prévio. eu, a falha que te cortava a pele e a determinação, que te murmurava o impossível, que te confessou que a pedra mais dura e impenetrável é a mais frágil e morta. mas se traçámos os trilhos mais íngremes, sobre telas escuras e densas, sentido o sopro vigoroso do perigo.. porque é que renascemos fúteis e sem amor próprio? porque é que queimámos as línguas e vendámos os olhos a uma realidade inevitável? suplico-te arrebatadamente, minha utopia amarga, meu gelo quente, não me esfaqueies mais delitos. perde toda a sanidade que te prepondera, desenfreia-te da moderação que te apodrece e rasga-me o corpo com as tuas mãos. podes até consumir-me sobre os lençóis mal feitos e encharcados em melancolias desfeitas. sei que vais somente descobrir o que o susto calou: a minha identidade, os meus recantos mais ínfimos, o meu sangue pejado de ti ... nada que não tenhas roubado sobre a minha vontade, nada que te seja incógnito. e podes guardar o meu coração, como um troféu, porque o meu domínio perdeu-se em ti. dá-me certezas que nada acontece sem uma razão.

sábado, 1 de maio de 2010

apocalipse

eu quero a tua alma imunda. quero arrancá-la do teu peito, abrasá-la em labaredas insanas e assistir ao consumo das nostalgias que ingeres e emanas enquanto me desfazes. contemplar-te a sofrer e a mendigar que ta devolva, a clamares que me amas, só para que não te repreenda com lamúrias, só para me tentares dominar nos derradeiros instantes da tua existência. quero arrancar silenciosamente as marcas dos dedos que espetaste nas minhas costas. mordê-las, retirando toda a sua sujidade oculta, e depois cuspi-las num ápice mundano. quero abrir buracos na pele que te restar, para que os que me provocaste com o teu toque se sintam minimizados. quero rasgar os músculos da tua língua minuciosamente, cortando-a em pedaços repletos de pecados, para que as últimas palavras que professes sejam pedidos de remissão. e, por fim, quero guardar o teu coração nas minhas mãos, ver o teu sangue a escorregar pelo meu corpo e murmurar: eu ainda te amo, sabias?

novelos

e então ele puxou-a e disse-lhe que a amava com todas as forças que retinha. que sem ela de nada valiam as súplicas desenfreadas e o desenraizar de cabelos. que por ela arrancava os olhos, só para lhe dar o deleite de o ver chorar lágrimas de sangue. debruçou-se num espasmo corporal e acariciou os seus cabelos, para que pudesse sentir a seda acastanhada por entre os seus dedos, para que a pudesse tocar. e os seus lábios ressequiam, como se a sua alma extinta lhe consumisse a saliva. e ela beijou-o como nos tempos de remota monotonia, por o querer distante mas não conseguir ausentar-se da sua presença. e o coração desfez-se brutalmente em cinzas, nas suas silhuetas, com rasgões imoderados. ela percebeu que amar era pouco, que ele era o seu amor depravado e corrupto, o seu ponto culminante de prazer. e despedaçou-lhe a pele suavemente para que a mágoa fosse minimal e prolongou esse tormento fazendo o mesmo a si própria. assim foi perpetuamente imortal. às vezes queria tanto eternizar-te.